Desanimados com o preço alto das inscrições e com a superlotação de algumas provas tradicionais, atletas amadores têm criado suas próprias competições
Por Aaron Gulley
UM POR TODOS E...: Pouco antes da largada da corrida Wolfpack Hustle, em Los Angeles
SÃO
21H50 DE UMA ESTRELADA noite de setembro na cidade de Salida, no
Colorado (EUA), e 46 mountain bikers se apertam ao longo de uma rua meio
estreita, iluminados pela luz fria dos postes da via. Estamos na Vapor
Trail 125, uma competição anual que se inicia às 22h e acumula mais de
6.000 metros de variação altimétrica positiva em subidas por estradinhas
no meio de florestas e single tracks. Seus participantes levarão de 13 a
22 horas para completar os 200 quilômetros do percurso. No final da
prova, não há pódio, locutores animados ou premiação. E é esta
exatamente a razão pela qual esses ciclistas estão aqui: eles só querem
encarar uma boa e dura pedalada.
A
Vapor Trail é uma das centenas, talvez milhares, de eventos
alternativos que têm pipocado em vários países nos últimos anos.
Desiludidos com os altos preços das inscrições e com as superlotações
das competições oficiais, muitos atletas têm criado seus próprios
desafios esportivos. O modelo de competição “faça-você-mesmo” não é nada
novo: ciclistas urbanos organizam competições informais, conhecidas por
alley cats races (corridas de gatos de rua, numa tradução livre), há
mais de duas décadas, e eventos como o Wolfpack Hustle, pelotão que rola
no percurso da maratona de Los Angeles horas antes de a corrida
começar, já atrai centenas de pessoas. Mas, nos últimos anos, houve um
surto de novos desafios desse tipo. Em qualquer final de semana, você
pode encontrar competições organizadas por pessoas da sua cidade ou
Estado em países como os EUA e até no Brasil, que vão de competições de
mountain bike sem patrocínio até corridas off road meio underground.
Nunca foi tão fácil – ou divertido – competir.
Diante
das poucas provas de ciclismo amador no Brasil, a assessoria esportiva 5
Ways, de São Paulo, convidou outros treinadores para o Tour R5. A ideia
era direta e simples: criar uma competição “for fun” por etapas
envolvendo equipes de seis atletas que deveriam percorrer trechos que
simulassem o Tour de France, com prólogo, contra-relógio, montanha e
afins. O tour agradou a muita gente e já teve várias edições.
“Maratonas, voltas ciclísticas, Ironman e outras provas de longa
distância não acontecem sempre, muito mesmo perto dos alunos. É preciso
viajar, o que sai caro”, diz o treinador Kim Cordeiro, da BK Sports, que
já participou do Tour R5. “Por isso cada vez mais alunos buscam eventos
informais que sejam bem organizados e que se enquadrem a sua realidade e
disponibilidade de tempo.”
Segundo
Lenny Goodell, que organiza as Endurance Series do Novo México (um
circuito norte-americano de oito provas de MTB), o que atrai as pessoas
para essas provas é que elas são pequenas, quase sempre gratuitas e não
têm aquela pressão toda das grandes competições. Mike Curiak, ciclista
de endurance e fabricante de rodas do Colorado, concorda. “Eu acho que
as pessoas não dão mais o mesmo valor às competições tradicionais”, diz.
Mike fala por experiência própria. Em 2003, ele se lançou na chamada
Great Divide Mountain Bike Route, uma até então pouco conhecida trilha
de mountain bike que corta mais de 4.000 quilômetros o Canadá e o
México. Problemas nos joelhos e tornozelos o retiraram do desafio na
metade do percurso, mas ele retornou no ano seguinte para tentar de
novo, desta vez na companhia de vários amigos. Dessa pedalada, surgiu a
ideia do Tour Divide, duríssima ultramaratona de mountain bike que
atraiu mais de 100 ciclistas em 2012.
A
maioria desses eventos começa da mesma forma. Alguns amigos decidem
formar um grupo de pedalada ou corrida. E-mails circulam. O primeiro
evento rola em esquema meio familiar e, em pouquíssimo tempo, os
organizadores já estão trabalhando com voluntários para coordenar o
rápido crescimento da competição. Mesmo diante do aumento no número de
participantes, os organizadores se empenham em preservar um clima de
intimidade entre a galera. Muitos evitam até mesmo chamar seus eventos
de competições. “Nosso desafio tem sido fazer com que as provas
continuem sendo para a galera local”, diz Matt Turgeon, fundador da
Colorado Endurance Series, um campeonato de mountain bike composto por
12 etapas. “Nas nossas competições, amigos pedalam juntos; mulheres,
maridos e familiares nos ajudam com o apoio; e a maioria dos eventos se
parece a uma festa entre amigos.”
Por
razões óbvias, grandes marcas esportivas têm procurado patrocinar essas
novas competições, especialmente nos Estados Unidos, para aproveitar um
pouco da energia autêntica que rola entre os participantes. A
fabricante de roupas de ciclismo Pearl Izumi até criou um aplicativo
para Facebook que ajuda ciclistas a organizarem eventos desse tipo.
A
maioria dessas provas se apóia em uma filosofia de confiança e
honestidade entre os competidores quando se trata respeitar as regras e
completar o percurso sem trapacear. “Nós conhecemos muito bem os
percursos, e a vasta maioria dos participantes conhece uns aos outros,
de maneira que fica bastante fácil descobrir se você está mentindo”,
está escrito nas regras das Endurance Series do Novo México. O mesmo se
dá, por exemplo, no brasileiro Tour R5: os treinadores das assessorias
se conhecem, e muitos alunos são amigos de treinos, o que diminui a
chance de uma equipe querer enganar outra para vencer.
Na
edição do ano passado da Sedona Big Friggin, etapa da Arizona Endurance
Series, o GPS (item obrigatório no percurso) do ex-ciclista olímpico
Travis Brown quebrou quando faltava um terço da prova para a chegada.
“Sem problemas”, disse o organizador Scott Morris, que deixou que Travis
o seguisse durante o resto do trajeto. Perto do final, quando Travis
poderia ter atacado, ele relaxou e dividiu a primeira colocação com
Scott. Quando os outros competidores chegaram, os dois estavam sorrindo e
comendo pizza, que havia sido comprada com o dinheiro que os
participantes colocaram dentro de um chapéu que passou de mão em mão
antes da largada.
Esse
tipo de experiência é o que continua a impulsionar a realização de
competições menores e locais. E, se um evento passa a ter participantes
demais ou se torna muito comercial, os atletas simplesmente caem fora e
buscam outra alternativa. “Você aparece no dia da prova, compete e põe
em prática seu espírito esportista”, diz Josh Tostado, três vezes
campeão norte-americano de MTB, que estabeleceu o novo recorde da Vapor
Trail no ano passado. “É divertido. Tem que ser – ou as pessoas não
participariam.”
> Faça você mesmo
Como criar sua própria competição “alternativa”
1. Estabeleça um percurso.
Use
um GPS e um programa como o TopoFusion (topofusion.com) para criar um
percurso digital que outros ciclistas possam seguir com seus celulares
ou aparelhos de GPS.
2. Pense pequeno.
Quanto
menos pessoas, menor é a probabilidade de você ter problemas com
autorizações municipais ou questões de segurança dos participantes.
3. Comunique-se.
Escolha
uma data e divulgue os detalhes da prova entre os amigos de corrida ou
pedalada. Prefira e-mails, que manterão seu evento discreto e íntimo. O
aplicativo da Pearl Izumi, batizado de unsanctionedracing.com, te dá uma
bela ajuda nisso.
4. Avalie como foi a prova.
Chame
os participantes para uns drinques em um bar ou restaurante logo depois
da prova. Relaxar acompanhado de algumas cervejas vai te dar a
oportunidade de debater com eles os pontos a melhorar da próxima vez.